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Todas as segundas, quartas e sextas um artigo quentinho com opiniões aleatórias, questionamentos socráticos e visões confusas de mundo!

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Sete cores de amor e um sopro de liberdade

Dia de parada gay em Brasília. A repórter chega na redação depois de andar quilômetros. Obviamente, já passou informações e já tem matéria no site. Eu estou acompanhando as ocorrências das polícias e dos bombeiros. Telefonando para as centrais de comunicação e para os Centros Integrados de Atendimento e Despacho das corporações, além de acompanhar o whatsapp das forças e os sites de concorrentes. Hoje em dia, muita coisa é repassada por whatsapp. Faço parte de uns quatro grupos no meu celular pessoal e, no plantão noturno, também recebo informações de leitores no celular do jornal, pelo mesmo aplicativo de troca de mensagens.

Para um domingo com uma manifestação das proporções da 18ª Parada Gay de Brasília, com um público entre 15 mil e 60 mil, o trabalho estava bem tranquilo. Minha colega batia a matéria aceleradamente para ir embora o quanto antes. Ninguém quer ficar preso na redação no fim de um domingo, acredito. Eu, por outro lado, não tive escolha. Só deixaria o jornal depois que todas as páginas estivessem prontas. Ah!  É importante entender o contexto histórico da situação. A passeata foi eufórica e aconteceu dois dias depois de a Suprema Corte americana legalizar o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo nos Estados Unidos. Se eu não estivesse de plantão, certamente arrastaria a Paula e a Olívia (<3 <3) para acompanhar. Aos 8 meses, nossa filhota não entenderia muita coisa, mas eu desejo que ela cresça pensando que isso tudo é normal, diferente de mim. Que ela possa ser ela mesma em um mundo em que isso seja seguro para qualquer pessoa.

Foto da repórter Isa Stacciarine
A aprovação da lei nos EUA é importante por acontecer em um dos mais poderosos países do mundo. É uma conquista fundamental para a comunidade LGBT internacional. Uma vitrine e tanto. E aconteceu em uma nação cujo os radicais cristãos estão em franco crescimento. Em um país que, mesmo que seja (e eu não tenho certeza disso) o mais avançado do mundo, a população simplesmente não entende nada de ciências e uma quantidade razoável de indivíduos acredita no desing inteligente ou que a Terra tem 6000 anos e é o CENTRO DO SISTEMA SOLAR (PQP!!!). Via de regra, não percebemos quando vivemos um momento histórico. O melhor é aproveitar. É bom estar lá e ver. No Brasil, homossexuais podem se casar, mas se trata de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não há uma lei para ampará-los e isso pode mudar a qualquer momento. Principalmente com os reptícios fundamentalistas evangélicos da nossa Câmara, eleitos democraticamente. Os políticos com discurso de ódio ganham cada vez mais espaço e o momento de lutar contra eles é esse.

Por volta de 19h, as fotografias no Facebook começavam a perder o colorido militante que pintou a rede social durante o fim de semana. Me pediram para sair da redação e acompanhar um ato da própria parada pela igualdade de direitos em frente à Câmara Legislativa. Fui a pé. É pertinho. Confesso na minha mais preconceituosa humildade que cobrir uma parada LGBT, mesmo que apenas um pequeno trecho, é entrar em um mundo à parte. Um mundo, julgo eu, criado por pessoas impedidas de viver com os mesmos direitos e liberdades que os héteros. Quando cobrimos grandes eventos, sempre nos deparamos com a incógnita dos números. Quantas pessoas participaram da passeata ou daquele outro protesto? Os números variam muito. A Polícia Militar tende a dizer que a participação foi maior se for um evento favorável ao governo, e menor se for contra. Do mesmo modo, as organizações de protestos e paradas inflam os números. No caso de ontem, 15 mil pessoas participaram de acordo com os militares e 60 mil segundo os coordenadores. Em quem acreditar? Soma tudo e divide por dois? Dá os dois números?

Via de regra, se não é um número muito discrepante, publicamos a quantidade anunciada pela Polícia Militar. E eis que recebo uma mensagem de um leitor revoltado com a empresa em que trabalho. "Jornalzinho de merda e de gays. Na parada aqui em Brasília deu umas 3 mil pessoas e vocês colocaram 15 mil. Além de gays são mentirosos iguais aos bandidos do PT." Quanto às supostas três mil pessoas, estão bem representadas na foto do post. O que me espanta é a forma de usar a palavra "gay". Ele a associa a "merda". E não só disse que o jornal é muito ruim. É pior que isso. É de gays. Eu não sabia que trabalhava em um jornal de gays. Nunca reparei. Sou um péssimo observador, mas não achei que fosse tão ruim. E depois, além de gays, somos mentirosos. Assim como os bandidos do PT. Oi? WTF?!

O melhor de um debate em uma rede social é que a pessoa precisará esperar você escrever sua opinião e terá que lê-la. Ou se passará por idiota. Minha pupila dilatou como a de um gato que vê uma bola de papel arremessada ao longe. Inclinei a parte da frente do corpo, levantei a traseira (sem duplo sentido, por favor). Milhares de respostas irôniocas, sarcásticas e destrutivas se passaram pela minha cabeça. Mas... MAS... eu me contive. Era um celular oficial. Não era o Luiz que estava respondendo. Era o jornal. Então, me limitei a dizer que nossa apuração se baseou nos números da PM. Mas não podia deixar só por isso, então fiz algumas perguntas também. "Estava na parada?" "Como sabe que foi menos?" Eu tinha que, ao menos, provocar. Embora anunciássemos os 15 mil participantes segundo a Polícia Militar, e sites concorrentes também, o leitor insistiu em dizer que "são estatísticas de vocês (do jornal)" e "ainda bem que cancelei essa assinatura". "Ou já teria dado um ataque." Ui! Alguém segura esse hétero cisgênero defensor da família tradicional aprisionado em Nárnia!

Ele continuou e eu me segurei. "Eles são minoria e vocês colocam como maioria." "Como vítimas e coitadinhos." "Mas não são." "Um jornal tem que ser imparcial." E você, cidadão, quão parcial deve ser? Até que ponto? A conversa só mudou de tom quando eu disse que, segundo os organizadores, seriam 60 mil. "Aqui em Brasília, o movimento é menor que em outras capitais. Não tem como." Respiro fundo. "Contenha-se, Calcagno", repito para mim em pensamento. Muita gente pensa assim. Ao entrevistar Jair Bolsonaro, Stephen Fry descreveu o momento como "um dos mais estranhos e sinistros encontros que já tive". O parlamentar defende posturas indefensáveis e é dotado de uma lógica, no mínimo, vergonhosa. Um tempo atrás tive uma prazerosa discussão com um bolsonarista, por conta de uma manifestação política proferida por uma blogueira lésbica. Eu discordei de ambos, mas ela não estava lá para se defender e ele atacou o erro como se fosse cometido justamente por se tratar de uma lésbica. Claro que, mesmo desconstruindo os argumentos dele, não consegui fazê-lo mudar de ideia. Mas, ao menos, eu tentei.

Quando entramos em uma discussão, temos que estar aptos a sermos convencidos. Ou, no mínimo, a ceder à derrota e à incompetência dos próprios argumentos para torná-los mais fortes e claros depois. Vi minha mãe e, antes dela, meu avô serem ridicularizados por parentes próximos, pessoas que deveriam respeitá-los (principalmente ao meu avô), por defenderem argumentos ditos de esquerda. As pessoas preferiam rir, ironizar, a escutar o que eles tinham a dizer. Medo de quê? No excelente Easy Rider, o personagem de Jack Nicholson alerta os motociclistas Wyatt e Billy sobre a forma com que se portavam. A dupla não compreendia porque uma pequena comunidade se sentia profundamente ofendida com a passagem deles pelo local. Apenas de passagem, receberam olhares hostis e preferiram seguir viagem o quanto antes. Vocês representam a liberdade, Nicholson explica. E quando você vê a liberdade (puta que pariu, preste atenção, isso é incrível!!!), e quando você vê a liberdade, as vezes percebe que não está livre. Está amarrado pelos seus preconceitos, pela sua religião (o texto não é literalmente assim). E quando alguém mostra para as pessoas que elas não estão livres, essas pessoas são capazes de matar. SPOILER ALERT!!!1 E é isso que acontece.
atar para provar que estão.

Seria essa a explicação? Por que ver um casal hétero se beijando não significa muita coisa, mas ver um casal gay na mesma situação incomoda tanto? Por que o casamento gay é uma questão tão polêmica? Por que a homossexualidade causa tanto desconforto nas pessoas? Por que o ato de "sair do armário" tem que ser tão duro? Por que é preciso existir armários? Por que homossexuais recebem olhares hostis quando passam por alguns locais? Por que morrem por conta de uma orientação sexual? Deixo aqui o texto, assim como nossa história, por terminar. Sem conclusão e, ainda por cima, cheio de dúvidas.

3 comentários:

  1. Belo texto, meu amor! Espero que o mundo da nossa pequena Olívia seja pelo menos um pouquinho mais livre que o nosso. Eu sei que nós dois certamente já estamos preparando esse novo ser humano para considerar justa toda forma de amor.

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