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Todas as segundas, quartas e sextas um artigo quentinho com opiniões aleatórias, questionamentos socráticos e visões confusas de mundo!

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Como escolher um quadro para sua sala de estar

Um dos temas que sempre gostei muito de me debruçar sobre foi a arte, mais especificamente a arte plástica. Talvez por ter começado a ler histórias em quadrinhos bastante novo logo me interessei por este mundo de formas, de cores, de anatomia, da representação de ideias e de movimento no papel. Admito, no entanto, que nunca fui um apaixonado que buscava visitar todas as exposições e conhecer todos os artistas e movimentos. Talvez por preguiça, talvez por falta de incentivo o fato é que hoje sou um curioso, adoro o tema, penso muito sobre ele, mas estou longe demais de ser um expert. E creio que por isso mesmo, talvez, estas minhas reflexões sejam importantes.

As duas opiniões que mais ouço quanto à arte são as seguintes: um grupo que defende a “arte pela arte” e outro grupo que defende que a arte deve ser uma “expressão da beleza”.

Do primeiro grupo, da “arte pela arte”, enxergo que é uma coisa muito mais bonita aos ouvidos do que uma coisa que faça real sentido. Toda coisa que é por ela própria não costuma ser de muita utilidade. O câncer nada mais é quando algumas células começam a ser as “células pelas células” e passam a se reproduzir sem levar em conta as necessidades do corpo, assim também os vírus e as bactérias não parecem ter muito mais interesse em se reproduzir por eles mesmos, e assim acabam inclusive matando o hospedeiro, que é o ambiente onde vivem. Verdade que o homem tem sido “homem pelo homem”, para verificar o resultado disso basta dar uma checada no relatório anual do IPCC... Enfim, uma coisa que não tenha um interesse maior que o de se perpetuar não me parece uma coisa digna de se manter por aí. Agora, no caso de “arte pela arte” significar apenas que a arte não deve se prender a amarras algumas, que é uma expressão que expressa algo para alguém, e se esse alguém gosta disso e quem produz essa arte gosta de fazer isso pois ela mexe com alguém que gosta dela e coisa e tal, isso acaba ficando confuso demais e poderia mesmo ser usado pelo Bial na abertura do próximo BBB.

Vamos então ao segundo grupo, o que proclama a arte como “expressão da beleza”. Bem, este caminho também pode ser igualmente poético, mas é tão complicado quanto o outro. Começo perguntando: o que é a beleza? A beleza é um conceito deveras subjetivo, eu por exemplo acho muito belos os dias chuvosos, aqueles cinzentos, acabrunhados, eles realmente me tocam e me fazem me sentir mais vivo, no entanto o jargão para estes dias é “dia feio”, e realmente conheço muita gente que acha que a vida fica mais feia nos dias assim. Mas então alguém virá e tirará o conceito de belo de Platão da cartola, e dirá: o belo é o que é útil. Certo, mas o que é útil também é igualmente subjetivo, uma muleta pode ser muito útil a uma pessoa com problemas na perna e um estorvo para alguém sadio. Esta mesma pessoa com problemas na perna pode já estar em uma cadeira de rodas, o que deixa a muleta novamente inútil, já a pessoa saudável pode necessitar de um apoio extra para alcançar algo e a muleta seria útil. Ou seja, algo útil é bastante subjetivo, dependendo sempre do contexto.

Parece-me que ambos os posicionamentos acabam por ficar deveras subjetivos. E ainda que seja inegável certo grau de subjetividade para apreciação de arte, quando as coisas ficam subjetivas por demais o caminho para o engodo e para os charlatões fica muito mais fácil. Pode-se afirmar, inclusive, que foi o excesso de subjetivação que nos trouxe algumas anedotas sobre expressões de arte contemporânea, como o caso da faxineira que jogou uma obra fora pensando que era lixo. A primeira coisa que penso é que, se eu gosto de algo vou ter que queimar alguns neurônios com aquilo.

O Nascimento de Vênus, Sandro Botticelli
Não tem jeito, se a culinária me apetece vou ter que entender basicamente sobre ingredientes, temperos e harmonização de sabores, ainda que eu nunca chegue a ser um chefe de cozinha e não saiba nem mesmo fritar um ovo. Apenas comer e dizer o quanto gostou do prato não é apreciar a culinária, é comer. Da mesma forma com a música, conhecer estilos, saber a história da música, do compositor, entender o que é o ritmo, a harmonia e a melodia, conhecer vários artistas dos gêneros que se interessa e outros é gostar de música. Colocar sempre o mesmo disco ou ouvir o que toca na rádio é apenas escutar um barulho que tape o incômodo silêncio. As expressões artísticas são as joias da coroa da civilização, achar que apreciar tais coisas não requer esforço algum, é o mesmo que esperar que seria se você voltasse 10.000 anos no tempo e regalasse uma feliz tribo de neandertais com O Nascimento de Vênus, de Botticelli, ou com a Persistência da Memória, de Salvador Dalí, eles alegremente a pendurariam na parede da caverna e os amigos iriam correndo para observar estas aclamadas obras. O ponto que, creio, muitas vezes escapa nas discussões sobre artes plásticas é que para ser possível apreciar e julgar as obras é necessário sim, estudo e conhecimento de causa, isto como lastro de escolha. Apenas depois deste crivo é que entra a parte da subjetividade, do “gosto” ou “não gosto”, mas aí então, a coisa já foi julgada e não se dirá: “Picasso é um lixo pois seus quadros são feios”; ou “Rafael não presta pois a arte nesta época era apenas representação do real e não expressava sentimentos”, o que se dirá será no sentido de “não me agradam os quadros de Picasso, ainda que tenha sido um excelente artista, que conseguiu descontruir formas e expressar com as formas com traços cheios de naturalidade” ou “Ainda que eu não goste de obras figurativas é inegável que as obras de Rafael são dotadas de acurada simetria, conhecimento anatômico e uma paleta de cores que é claramente pensada para arremeter às ideias por trás das cenas pintadas”.

Creio que devo ter escrito um tanto de bobagens! Especialmente para os que entendem de arte com mais profundidade. Espero ao menos poder ter trazido uma reflexão da forma como nos comportamos quando vamos julgar um quadro (e que vale, na verdade, para quando vamos julgar qualquer coisa na vida). Aqui me coloca um desafio para que possa me redimir, ainda que tardiamente, da minha demagogia: fazer um curso de introdução à história da arte ainda neste 2015.

Persistência da Memória, Salvador Dalí



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